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• Na arrastadeira
A dor cronometra o
Desaparecimento
Da sombra por entre
As pestanas da janela
De outro dia.
• Sucção
O abcesso lateja, ganha confiança
Promete mais emprego e saúde,
Invade as veias de vermes que
Instalam a febre que rastreia, à espera
– examinado o sangue e
Investigada a urina –
Moção de honra nas fezes suadas
Entre fígado e ceia
Cancela-se o Brasil e suas algemas
De sabão-azeite
(por uma salada sem nada)
Enquanto a drenagem à caça
Da Ameba Dick continua... e
Dá luta sem luvas
À ferida exposta pela
Palhinha de enxofre que vai exalando
Do aparelhómetro todo cromo
Da Enfermeira (com) Graça
Forço o apetite
Empurro-me toda
A laranja descascada
Que derrama
Para a pleura pulmonar
E eles sabem d’Isso!
Eles sabem tudo,
Eles sabem tudo,
Eles sabem tudo...
Mas não me dizem nada.
• Lacuna
É tal qual como
Viver numa colmeia de batas de cores variadas –
Consoante o escalão da biopsia em que se doutorou
O pedantismo é tido como profissionalismo.
Muito carinho misturado com tanta crueldade
Num desfibrilhado dominó de corredores
E andares e alas e secções a jogar ténis de prioridade com pessoas
Onde dói mais? E quão avançado vai o handicap?
Porque dizem que é mesmo assim, senão…
Gravata com gangrena puxa dos galões
Porque quer porque manda porque gosta de mostrar
Que já virou muito galo para poder mandar assim,
Sem avisar que vai picar,
Porque preciso do alívio que tens para me receitar,
Cada micróbio acrescenta os seus parêntesis
Ao diagnóstico em que nem sempre se concorda –
Nem interessa – normalizam-se os números que aparecem no papel
E liberta-se outra cama como eco aos nossos órgãos.
O fax da mascote sistémica é o sujeito
Das marionetas que partilham
Tantos frágeis imensos sonhos altos em calorias.
O sintoma esperado
Ganha uns pontos na corrida ao bisturi dourado
Enquanto o calvo vestido de cabisbaixo
(com a senha para a radiologia a tremer entre os dedos
nesta linha de desmontagem de imperativos anónimos)
Espera estoicamente na véspera da consoada
A marcar a posição do chefe-macho
Humilde e ignorante.
Um telefonema do presidente
Faz com que passes à frente
E ganhes estatuto de urgente
E a especialista inexistente
Apareceu logo de repente.
Os Pinóquios que nem falam português
Continuam a queixar-se do mecânico
Tão usado que já não controla os intestinos –
Homem-maca com um quisto maior
Que a sensação de ter de continuar a depender
Destas abelhas de narizes afiados e antenas em órbita
Que o lavam e alimentam
Da manhã à foice.
A linha, às vezes visível,
Entre não querer que ninguém nunca desapareça
E a mágoa bastarda, mas sumamente asséptica,
De assim ter de ser... senão?
• Fronha
Perdi os fósforos – as
Cortinas corridas símbolo
De um silêncio óbvio –
Arranhando o seco com um
Esgar, e quem sabe quem
Somos senão sombras
Num quarto de soluço às
Apalpadelas.
Durante a
Dureza do duche decido que
Sou incapaz – nunca
Saberemos a que
Cheirarás ao acordar, o
Incenso dos teus ais,
Talvez ambos à espera do
Outro separados por um
Gato – talvez só impróprio
E sujo com uma lábia
Razoável – nunca saberás como
Perco a respiração quando te
Vejo emaranhar o cabelo
Em espiral e falar de
Sapateado em Chicago e
Fellini e Puccini e todas as
Lendas que seria bom que se
Mantivessem vivas como jóias
Por detrás da cortina engolindo
Mais silêncio
A seco.
• O verbo aninhar
O nosso único tempo de qualidade
Tem-se tornado passado
Nas salas de espera das urgências dos hospitais.
• Mrs. Hystolitica
Os meus colegas no
Infecto-bunker são: 1) O chinês
Por detrás dum Galaxy 5 prateado,
Apático e de pouco inglês,
Mal mexe, aloja uma necrose no pé
Entre a amputação ou a prótese;
2) O clássico burlão luso
Tão magro que parece engomado,
Logo de manhã pragueja,
Só quer é café e cigarros
E feijoada e whisky
E planeia fugir apesar de
Também não conseguir andar.
3) O príncipe cabeleireiro
Tem um protozoário no olho,
Não gosta de Compal de pêra
Mas mantém as visitas sempre entretidas
Umas com as outras;
Mais 4) O eu, com um tubo purulento
A sair-me das costelas
E os braços diariamente seringados
Pelas sanguessugas das hemoculturas.
Última hora: é 1 de Janeiro e
Na cama 12 aterrou 5) o Palhaço Companhia,
Veio curar uma pneumonia
E contar-me muito mais
Do que deveria saber sobre
As rifas que sobram do estrelato.
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2. |
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• Braços ao alto
O bairrismo prossegue e
Contamina...
Vestígios na dianteira da selva
A cada marco de correio servem os
Gorilas estão prontos para a batalha
Por uma de meia melhor:
A nova polémica do Charlie Hebdo,
A sua dose, a promoção,
A legitimidade de adopção
Por casais poligâmicos
(racistas, bêbados, violentos)
O mais ridículo dos motivos
É sempre desculpa para
Não deixar rasto e emoldurar
O intocável ao idêntico.
Coberto de vergonha sou guiado
Por Maomet’s sedentos pela
Primeira trinca na maçã-monólito
Da Nossa Família –
Com os dentes por afiar, a arfar,
Já lá vão 5 anos de gestação desde África.
Os seus parabéns / Sinto muito pela minha perda.
• Alavanca
Só significamos algo Superior
Para quem nos viu nascer
E sobreviver.
O resto rapidamente te
Substituirá.
• Padrasto nato
Do grito ao suspiro
O inicio é já por si fatídico.
Almejo dar de comer
A algo que não se corrompa
Mas os objetos... não passam fome.
As coisas são de confiança,
Os organismos é que não.
Já fui ateu e ainda gosto de ler
De Cícero a Confúcio
Existe sempre um... enfim...
Quase... imperceptível.
• Gaiola no canário
O que apenas amas
É o preencher de uma ausência
Que já foi vazia.
O que desejas?
É arrebatamento diário
Que te afogue
Num céu de sentimento
Com o Nome de um homem...
Enorme – tão dependente
Do sal quanto da mão que
Lhe sugere contenção –
Não te vacinas porque assim
Manténs-te criança e terás
Sempre desculpa quando
O reino se desmorona em
Reles lengalenga face ao
Exagero da inocente
Maré de óculos embasbacados
Como prendas indesejadas
No movediço desastre que
Ao secar... pede por mais!
Eu sou – por isso –
Dá-me daquilo
De que sou feita.
• Comichão
Impedido de ir ao funeral
Da tia-avó que o criou
Por estar internado 4 pisos
Acima do rés-do-chão
Onde se consumou
A despedida.
Para tudo o que sucede
Já conspirámos uma sentença.
• Hoje houve queijo
Panasca não é homossexual.
O verdadeiro paneleirão pode ser hetero,
É intermitente máquina-sociopata
De evangelho moralista pop-up
Do mexerico às queixinhas,
Ao quilo, ao litro – ímpio.
Cromossoma W ou
Osmose in crescendum?
Todos mudamos dentro do eterno boxe
Entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico
Onde os gostos se discutem
Enquanto tu permaneces
A sentires-te especial
Por saberes como me sinto apesar de não sentir nada.
• Bailarina Eloísa
A espera engorda como a
Tosse contínua de um
Ar condicionado central a
Transpirar logos deste
Dia de trabalho detalhado
Ao milímetro da vida
Parecer já ter sido vivida
Na reforma a manteiga no pão
É barrada à mesma hora
Por hábito –
Agora descontamos
Para a memória,
A conta telefónica e as
Consultas de especialidade
Num hotel de um só inquilino –
“Metástases & Spa”
(tudo incluído no check-out)
• Este não se vende nas farmácias sem receita e percebo porquê
Aquela ultima ilha telefónica
Que se preocupa contigo –
Levou-te ao hospital quando desmaiaste
Quando deixaste de tomar a medicação
– é quem te trás
O tabaco quando quase te babas
Como gel de banho que escorre
Da ressaca na medula;
Visita-te todos os dias
À mesma história só para te ouvir
E assim acreditares que se trata de um diálogo
– para não viveres sozinho com o vírus
De quem amou à brava e à antiga
+ 2 semanas de Voriconasol – e diz-se que
dantes as pessoas eram mais amigas.
• AC/DC
Mito do arquétipo possuído e
Incansável mas tranquilo 69 ao contrário
Num derradeiro acto de cegueira circense.
A provocação do teu incisivo liso peito
Na génese de tanto assumido artista
Manchou profundo
A manobragem nonchalant dos media
Numa arrogância maquilhada como evidente
(com a mentira te minto)
Como me identifico integralmente
Com tais génios do excesso alquímico.
Os galhos dobram-se em vénia,
A urze chia e congela,
Cada nuvem faz share à sua música-mantra favorita:
Do Lázaro, ao Jóker de latão, ao serial killer doppelganger,
O Warhol marciano, o rapazinho relâmpago elefante
Ou o cosmonauta Tom com quem todos se deitaram
Lançou-se do total topo
Em maníaco esgar de premonição
E gozo
A estrela-sombra
Na estrela-sombra
És a estrela sombra
E agora sabemos que não podes dar tudo a toda a gente
Pirueta larva triplo mortal sem corda
Vai ao templo de piscar o olho mais dilatado
Ao estádio hiperativo dos seus espíritos
Em sensual harmonia com este novo desaparecimento
Até que tudo vira eterno...
Imediatamente antes de colidir dentro
Da imóvel água dum mesmo miasma
Na autópsia lê-se:
“A transformação foi completa"
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3. |
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• Renova
Ser eu é não querer nada.
É estar imune ao isco sem
Fazer resistência às teias
Da natureza
(elas já não me afectam)
Estou todo espraiado tipo
Rã exibicionista, corte da eletricidade
Na esplanada-cadafalso
Com o bacamarte meio coxo na mão,
Pondero...
Deixo-o pender da cadeira de molas,
Faço de meus pés horizonte
E julgo o que me desagrada,
Julgo quem quero comprar,
Julgo a forma honrada de me leiloar
– às vezes duvido do sucesso certeiro
Mas creio que desembolsadas as contas
Nasci numa conjuntura que trará a
Ordem à ralé que me dá de comer!
Quem não cumprir pertence a
Ameaças anteriores ou
Apenas louco de inveja
Deste mesquinho narcisismo
De nenhum alcance
Ser tudo o que alguma vez verei –
Afocinhado no pastel da pintura
Com um sinal de proibido a
Assinalar o parágrafo da profile picture .
Poderia continuar mas como
Já não tenho nada a provar,
Bocejo – dou um retoque
Ao outro do meu autorretrato
Que nem fui a tempo de começar:
Sou pai de filho já parido.
• Fechadura
“Hoje sonhei que eras feito de migalhas”
O peso no peito é tanto
Que a Creatura congemina
Por que Algo de divino-ou-inesperado
Surja de belo, nasça por dentro,
Se sente ao lado das minhas urtigas,
Telefone a números ao calhas,
Improvise o milésimo poema e
Desligue-me a alma na tromba!
Acumulo de antemão
A falta que os mortos me farão:
Nem no Armagedão emprestaremos tantas
Lágrimas à perda do próximo?
(esta insónia virou hobbie).
À superfície das ligaduras
É perito nas datas e
Reviravoltas políticas de
Antes de Cisto – a chamada
Para-neuro-quântica –
À superfície varia entre o
Inexplicável, o desagradável
E o óbvio.
Para os leigos:
Sente mais terror do que se atreve a admitir.
Ao microscópio é menos outro
Careca qualquer a gritar algo
Sobre esta jornada e o campeonato
Da janela de trás de um Jeep parado nos semáforos na rotunda do Marquês
Num sábado de lua cheia
Mesmo antes da meia noite.
Quer ter várias mortes numa vida.
Quer saber tudo sobre si para o rebater.
Contem-lhe os seus podres
(não se retraiam)
Este tetris quer ser traumatizado:
Presenciar as decapitações
Para conhecer & conceber
Como combatê-las ao certificar-se
Que também seria capaz de matar.
Rebolar nas possibilidades
Mais macabras para depois
Admitir que tinham razão
Só para vos estudar a reação!
A busca afunda nua
Pela sanação da ferida profunda
Através da servidão missionária
Que lhe resgate a calma
À desumanidade de saber que
O indivíduo é Merecido e
O sistema é Nocivo.
Mesquinho pequeno burguês
Por danação; descalço faminto
Cleptomaníaco pela sensação;
Na defensiva (in)sensível clusterfuck
Como absolvição?
Mais eu não!
Fechado lá fora nesta
Chuvada de caras
Em capas de revista e corpos isco-signo
Da sua fatalidade.
Em exposição esperamos
Nas infinitas paredes da Internet
Enquanto os lúgubres convidados
Antecipam a próxima ressaca
Com um brinde à novidade
A acompanhar o
Shot do costume!
• Punho húmido
O seu intestino já funcionou hoje
Sr. 671291?
No breu fractal ao
Despertar das palmeiras
As palavras arrancam-me
Do processo de hibernação
De volta ao que pensamos
Em contemporâneo:
A puta da Minha vidinha em default
– a dívida, a apatia,
A passagem da anca x pela aresta y,
A pressa em atraso e a falta de sono –
E era Marx que dizia que a
Esquerda se fractura
Enquanto a direita
Dá as mãos para dar uma de
Photoshop à fotografia
Mais castiça?
Em resposta
Despoletámos A Festa (!)
Estilo de saída quase ilegal
Contra tudo desde a própria biologia
À impunidade automática
Das condições submissas.
Ao peso da unidade
E das flutuações da gasolina
– corações viraram crude –
Estrategas num casulo touch screen
Com os sonhos on hold para os quais
Fabricamos sempre soluções.
Porque tudo acontece
Por uma Ação!
Sou teratoma de Estocolmo
Na tromba ectópica de
Uma viúva de Falópio.
Praga em sebenta de tudo o que
Já vi e minto e repito –
A cada mórbido encontro redecoro-me.
Papagueio niilismo mas nem
Nunca nada disso provei ou serei;
Reconstruível a qualquer épico
Olhar – a honestidade
Não pertence ao próprio –
Somos as imagens
Que os outros depositam no
Seu silêncio, cativo.
No inconsciente, a Pleroma
Gira, tão gradual que aparenta
Que nem varia. À
Insatisfação intrínseca
Correspondemos com gratificação
Instantânea.
A atos fanáticos contra os
Símbolos do hedonismo
Livre de impostos
Contra-atacamos com
Bombas impessoais entre
O Tigre e o Eufrates.
Pior de tudo é que Todos temos
Uma opinião e Todas dessas
Tantas opiniões são totalmente
Indissociáveis da sua
Parcialidade.
Acredito nas mentiras que
Projeto de fora para dentro
E lince-persa.
Estou óptimo aqui,
Não quero voar de volta ao vil,
Aninharei com o resto dos moribundos
Partilhando sintomas
E lavando as mãos 30 vezes ao dia.
A alimentação é insossa
Mas equilibrada e
As visitinhas trazem sumos clandestinos!!!
Para que serve
O sol, a rua, a rotina, todas
As esperanças saturnianas
Que vamos depositando como
Votos neste caixão ao relento
Na expectativa
De que te enviem um ordenado
A dizer que te portaste bem
E hoje podes ser feliz?
Mas
Sonho sempre,
Sonho ainda,
Sonhamos todos.
Consciência de si
É consciência
Da doença.
• Cesariana
A ânsia de recuar até à
Pessoa imemorial. No seu
Seio infértil repousar os rins
E relembrar ainda a frágil presença
Do eco que fizemos a pé pelos cometas
– a lista das deusas, ligeiros decalques
De quem não foi eleita passado
Aos pedaços colaterais na
Ampla noite que resta dos
Olhos revirados para o
Espaço interior.
O criador
Está tão confuso
Quanto a sua criação.
Deita-se na mortalha sobre rodas
Da criança que dorme todavia,
Embalada pelo oceano do segredo de
Varsóvia.
Virando as costas à Obra.
A tranquilidade domina o mistério da
Seguinte curva fazer deste poema
O nosso 9º encontro em 7 anos
(O primeiro em que não nos viemos)
Mas bebemos – eu berro e tu danças –
Há suspiros em sonho
Por voltar a sofrer tudo
Desde o Carbonífero
– quando as barbatanas viraram patas
E as nossas mortes
Tomaram estradas entrecortadas.
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4. |
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Para mim
Cheirarás sempre à dor do fogo
E ansiedade de te perder para
O campo gravitacional do mundo
Outra incólume vez
Escrevo-te perante um
Escuro uivo de céu que és,
Céu em código, a palavra é
Chave.
Mestre neve
Com sinal de lume no vácuo.
A transparência sufocante
De te sentir cada vez mais
Longe-obscuro
Do momento em que o pródigo estranho
Se deleita a contemplar a
Casa onde morreu – e
Soluça a velha fome onde
Esquecemos os
Esqueletos que moemos
Sem paciência para
Nenhuma causa ou apátrida neblina
De voragem que embarca
Todo o sentível azul em
Magnânima oração pagã
A juntar os trapos e recozer
A sua deidade com a baça
Seda da ilusão grega que
Mantenho orgulhoso no
Desastre dum retrato já
Tão desbotado – dar lanche
A hologramas é barbárie
Babe – matar tempo com
Excelência
(a impalpável ânsia inicial de te recusar)
Oito horas de nunca na
Única esquina da despedida.
Ele tem tanta sorte que é por isso
Que prefere nem abrir a
Boca.
O criador
Está tão confuso
Quanto a sua submissão.
• O primeiro bater de asas de um cristal quartzo
O complexo do coitadinho in loco
A testar até onde se rebaixa
A piedade... no castelo da sua
Caveira em fralda
Clama num loop
Pelo que não se nega a ninguém:
‘Por um copinho de água’
Durante a madrugada
Arranca os cateteres todos
Num happening quase Hamletiano.
Com sangue a escorrer do estigma de vítima
Desfralda-se da cama
Em pose de aparição com
35 quilogramas de amarelo bege
Em horripilantes ossos de
53 anos em cuja pele de plasticina
Apenas evidencia
O efeito da gravidade.
O jejum deve ser total.
Do estômago sai preto
E da bexiga... vermelho.
Suas olheiras com mazelas
Prosseguem a jogar aos gemidos.
Alba adentro implora
Pela água que o tratamento proíbe
(diz que não chega e nunca agradece)
Tosse tudo lá para algures
E volta ao mesmo moribundo eco
Sem fundo: ‘Enfermeiraaaa,
Enfermeiraaaaaaaaaaaaaaaaaaa,
Enfermeiraaaa isto estava cheio
Aiiiiiii por favooor dê-me só,
Só mais uma pinguinha de águinhaaa
Por amor de Deeeeuuuuss...’
Qual delírio de adicto trocou já
A dignidade pela de um dado viciado?
Neste enfático preâmbulo
De quase coma-suicidado
Face à extinção – face à pré-cinza
Pelas sobras a família reúne-se à espera.
Já na recta final passam
Mais umas quantas noites e
Abro outro pacote de
Bolachas Virgem Maria
Especulando sobre o efeito terapêutico
De uma mangueirada?
• Aguaceiro no cais
Há 31 anos já teria
Morrido com uma sepsia.
Há 31 anos nunca teria ido
Onde contraí este parasita.
Há 131 anos eu ou a minha mãe
Não sobreviveríamos à minha
Relutância em existir.
Após meses pela Ásia a
Olhar pela janela
Que transportava uma tela
Aqui escrito revejo-me
Vinte e uma noites obrigado
A reconhecer a santa função
Das intrincadas cidades submergidas que
Salvaguardam a Bio-Bastilha
No néctar do meu animal de transporte.
Tão natural
Quanto o extra-humano
Nano-estetoscópio a
Direcionar as enguias à
Tentação de masterizar a criação
E arquitetar a transposição
Do defeituoso para o infalível.
Haverá oxigénio de sobra
Para exércitos de alvéolos encriptados?
Nenhum fingimento será supérfluo
Para satisfazer a máxima meritocrática
Da recompensa imediata
Para 13 biliões de macaco-dróides espirituais.
Pai Nosso de cada back-up,
Santificado seja o micro-chip,
Venha a nós a vossa bitcoin,
Assim na terra como na cloud,
Fruto da nossa alucinação colectiva,
Akrasia,
meu amor.
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Enkrateia vem do adjetivo “enkratês” que significa possessão, poder sobre algo ou alguém. Representando, neste caso, a doença que se apoderava do meu corpo.
João Meirinhos ganhou 1º Prémio de Literatura com a obra de poesia "ENKRATEIA" - World Academy, em Janeiro 2017, livro esse composto por 21 poemas escritos durante um internamento de 21 noites no Hospital de Santa Maria em Lisboa, devido a um abcesso hepático provocado por uma ameba resgatada para dentro do seu corpinho 5 anos antes no Burkina-Faso.
Três discípulos de Sócrates, Isócrates, Xenofonte e Platão, transformaram o adjetivo Enkratês no substantivo Enkrateia e deram um diferente significado para a palavra. Enkrateia passa a significar poder sobre si mesmo, poder sobre suas paixões e instintos, ou seja, autocontrole. Para Xenofonte, Enkrateia é vista como "a base de todas as virtudes".
5 anos depois esta história recebeu um rebranding por 4 projectos musicais diametralmente distintos que aceitaram o desafio de dar som a estes espasmos febris de emoções catatónicas: ENKRATEIA - uma nova vestimenta para ser escutada de uma só assentada e com um vídeo completo a acompanhar a passagem movediça -
youtu.be/uU4SG-VfR5A